quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Lusco-Fusco

Sentado. Há um silêncio em tudo. Sentido pelo fato de não querer o visível, o corte ríspido numa realidade crua. Observa o que tem em mãos. Pode ser um livro, pode ser um quarto escuro, pode ser ele mesmo que se vê sobre as palmas das mãos. Sabe que só, em si, não há tanta vida. Resolve abrir as mãos, adentrar o quarto, ler o livro. A porta, os olhos e as letras são o esquecido. Traz à boca alguns sons. Derrama-se uma tempestade sob os olhos, sobre as mãos. Tudo se torna dimensionável: a profundidade, o véu, um corpo opaco que segue um curso de tempo infindável. A voz que não soa cá fora retumba trovões de anseio materno. Ela perpassa todas as idades. Atravessa um vão desconhecido de dores antigas. Traz em si todas as histórias do mundo, as histórias dele: é ele que vem nela; é ela que se observa. Traz a boca ressequida, costurada. Traz o ventre flagelado pelo que se chamara "duas nações". O beijo dela é dele e fica estatelado fora do vão dos sons. Uma pergunta calou tudo. Fechou portas, livros e mãos.

Escher, Drawing Hands (1948)



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