sábado, 12 de janeiro de 2013

Diário de trabalho: Uerla Cardoso. 07/01/2013



É... eu me lembro, lembrou-me de muitas cores. Das estrelas sempre olho um  pouco, acho que elas limpam os cimentos dos olhos. Cimentam a pele em tecidos pendurados nos ares, nas asas... Quem me dera ter asas, se as tivesse nunca mais tocaria o chão, viveria nas nuvens, nos silêncios, nas galáxias, e de longe tudo veria, poderia mergulhar nas águas das pontes, nos rios sem peixes, nas sombras dos fetos inexistentes e já expirados. Conheço a foto, elas são as costas que nunca vejo as sobras dos meus pés, meu preto dos olhos que só enxergo no espelho. Não me pergunte o que faço aí, nem eu sei o que faço aqui, quanto mais aí. Pode ser meu refugio, a cabana de tolha de mesa, o choque e a queda da estante, as costas nas costas, o verso avesso. Tu tens muitas estrelas nos pés, o que fazes aqui? É sua casa? Não sabia que existiam casas nas estrelas, nem que amava as parreiras. Tem um doce lá embaixo, estás com fome? Desça nas entranhas do subsolo do mundo, atravesse as pernas da lua, coma quinhentas uvas, vomite as sombras das noites e pegue a comida. Só tem uma comida para duas barrigas verminosas. “Cuidado com as pontes, elas podem ser perigosas...” o vestido de manga caída também esconde perigo... Não se vê o cego nem se sente cego, só se vê estrelas azuis e vermelhas e o agouro que se escuta, a ladainha das palavras sobrepostas. Dê-me um pedaço! Não peço, minha fome vai para além de uma gota, a sede ultrapassa os mares e o tecido ofusca os meus olhos. Sabes quem eu sou? E quem tu és, tu sabes? Vem armar a barraca, já é tarde! Vai chover grilo das estantes... Quer a luneta? É bom falar na luneta, a voz sai bonita, parece profunda. Esconda-se aqui vem. As pontas das pontes são duras, o meio é mais mole, vamos para o meio. Olha! Pesquei tempo com luzes, luzes de tempos em tempos de luzes. Consegue ver? São muito pequeninos, só os mais apurados olhos conseguem ver, olhos sem lentes. Não tenho medo de cair da ponte, mas fiquei com medo de pegar uva, existe maldade em quem não come todas as uvas? Mas tem uvas que não são nossas... Não abarco barco furado nem embarco em furo de mar. Prefiro ficar a deriva na ponte, até que as correntezas levem as sobras de chocolates nos cantos de meu queixo. E me afete feito confeito de festa. 

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Diário de trabalho: Saulus Castro - 07/01/2013


Foi assim: havia pontes elevadas sobre um abismo desconhecido de matéria já pisada há muitos anos. Havia sangue pisado, chocolate pisado e havia muitas outras possibilidades de se pisar alguém. No entanto, mantínhamo-nos sobre todos os pés, sobre todo e qualquer chão de possibilidades. Caminhamos no impossível? Ainda não, acredito, mas bem longe de olhos estreitos. Sim, são olhos da amplidão dos mundos, dos muitos mundos conhecidos e desconhecidos. ‘Coisas futuras’? Que ‘Coisas futuras’? Futuro mesmo é esse agora ansioso, é a próxima transpiração – não de sal – de imagens, tempos, sombras, estrelas, mundos, órbitas, pontes, fotos, galáxias, infinitos, chocolate. Futuro de lá é a idéia que não veio. Aqui, “o que procuras, senhora?” “Estás pensando em algo?” Não! Soa lá do infindável: não! E deita para nada; põe fronha no travesseiro dos olhos, e deita-os para si querendo o de lá distante, o das estrelas e o de além das estrelas; querendo o de onde não teve início. São muitas pontes nestas rotas sobre a água seca, sob a roupa rota. Quantas horas gastei para tais pontes? O tempo de uma idéia. Pontes não se atravessam, mesmo; se permitem. Estas aqui são uma encruzilhada. Dois pontos saem, põem-se outros e 'inda são os mesmos. Os universos se acendem e inicia-se um lusco-fusco de vida e morte. Somos feitos para o mirar de alguém, e, antes de tudo, para os nossos desenredos; partindo do outro, de si, do inexistente, somos "vivedores de desenredos".
São sob um céu de folhas, aquelas árvores aéreas, - lembras? - fincando raízes no chão do céu e florescendo em verde anil; seus troncos sugam nuvens e chovem frutos cá pra nós. Mas ainda tocamos as folhas, atravessamos o véu dos divisores, do corte. "Cuidado com as pontes...". Atravessamos tantos objetos e tantas construções que não tem jeito: não tem fim. Daqui pra frente é quebrar paredes, pois se há pontes há estrelas, e elas estão em todos os lugares e as pescamos com a isca de tempo: são pescados de anos-luz, lá do fundo-longe, no "infundo". Olhamos para as estrelas como olhamos para os primeiros retratos, as primeiras imagens das crianças, quando ainda, nem crianças, mas um punhado de sombra-luz aquietado. "Estás procurando alguma coisa?" Nas folhas, nas fendas, nas fotos? "O que a senhora quer?" Eu tenho cabana de passar chuva sob uvas, e tenho renovadas dúvidas sobre o que te fazer esperar - esperas algo? Não tem jeito: sempre molho os pés, e fica essa sensação de que esses pés não são meus, e fica o cheiro do chão de terra na chuva passada ou é o cheiro da chuva que exala? Chuva só é chuva no chão! Uva pode voar e variar de cores e sabores.
Pensando bem, há um pouco de sonho nisso tudo, nestas costas amalgamadas, nesse olhar de céu, conjunto. Há uma voz que não cessa de dizer que o beijo dela é dele enquanto se tem os pés sobre o mundo, abarcando o mundo. São duas vozes. Tudo se torna dimensionável: as estrelas, o nascimento. Gastamos, nas sombras, as sobras do tempo. Encontramos fios de nós: no teto ou na telha, na 'vó' ou na velha que quis vê-la, num irmão que chora junto ou lança facão. Num barco virado, sem rumo, há sonho. Na merendeira ou num vestido de flores.
Foi assim!



domingo, 6 de janeiro de 2013

Diario de trabalho: Uerla Cardoso 04/01/2013




Reboco, reboque , cara torta, joelho torto, pescoço torto , buraco no ombro, que importa essa broca? Só não gostei do silencio, mas para que palavras não é? Não eu não gosto do silencio o tempo todo, ai que parceria passante, parece passada todo dia futuro e eu que canto torto em perna de torta em cara disso daquilo meu pouco importa, é, importa sim. Abre o dente pra mim, ri, enruga o olho... Se o bem fosse vitamina e o mal remédio amargoso, acho que o dia foi meio amargo, um chocolate amargo, hummm... que gostoso! É bom perceber assimetrias, até mesmo nas estrias das peles secas. Se não rires para mim, não darei sonho de valsa, posso até dançar uma valsa, mas sem salto, se não sair do estômago não ria. Eita ponte que desponta no peito, a pontada nem jeito tem, antes fosse um apontador de lápis que faz crescer ao mesmo tempo em que diminui. Hoje não tem subjetividade, tudo sai na lata, embora não curta enlatados, prefiro os frescos.  Tá, tudo bem, me agradaria mais se eu tivesse abraçado, na verdade não sei porque não abracei. Mas queria muito...