Individuodividido
Não quero dizer nada
hoje, não me perguntem como estou nem o que tenho feito, prefiro não deixar as palavras
escaparem sem querer, que fiquem presas o quanto quiserem, até que o estômago
as expulsem. Tem muito tempo que não
vejo muita gente, muita gente que não me vê com olhos de tempos atrás. Estou sentada
aqui na frente do banheiro, nessa mesa com um litro de cerveja pela metade
intocada por mim, acredito que esquecido por alguém ou trocado por um uma
bebida mais “quente”. Tem muita gente nesse lugar, quando minhas pernas não tinha perebas e os pés tateavam esse chão, nunca vi tantas cabeças, tantos perfumes,
tantas maquiagens, tantos sapatos, tantas camisas com diversas estampas, tantos
casais, tantas conversas, tantos risos, tantas pessoas. É uma tempestade de
palavras, uma chuva de humores e expressões em cada face, reencontros,
decepções e rotinas, todos juntos em um coro, sintonizados em descompassos,
mesmo lugar. Não queria dizer nada, apenas escutar o fundo musical, imperceptível
para o tamanho das emoções, do reencontro... Uns ou outros escutavam a trilha.
Os velhos amigos com amigos recentes destrincham histórias recentes, riem risos
recentes, frescos na memória. As lembranças empoeiradas, não trazem os pés de
galinha no canto dos olhos, as gargalhadas não escancaram dentes, apenas
esticam levemente os lábios, franzindo canto de boca. Nota-se a falta de gosto ao
rever velhos retratos. Que olhos diferentes... É bom que sejam diferentes, impossível
serem iguais. Os meus também não o são. Não consigo me prender em conversa nenhuma,
também não sei dizer como estou, a quem pergunta sem querer de fato saber. “Está
tudo bem”, pobre mal, parece esquecido para ouvidos falsamente desejáveis. Como
crescem rápido as crianças, como se lamentam rápido as crianças, não existe
mais surpresa, o brilho dos olhos são pensados, milimetricamente calculados em
frações de segundo. Em um minuto o sangue escorre entre umas pernas, e o leite entre
outras. Inevitável não mostrar o acontecido, impossível aumentar o vestido
laranja de florzinha, ou o macacão apertado.
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