Foi assim: havia pontes elevadas
sobre um abismo desconhecido de matéria já pisada há muitos anos. Havia sangue
pisado, chocolate pisado e havia muitas outras possibilidades de se pisar
alguém. No entanto, mantínhamo-nos sobre todos os pés, sobre todo e qualquer
chão de possibilidades. Caminhamos no impossível? Ainda não, acredito, mas bem
longe de olhos estreitos. Sim, são olhos da amplidão dos mundos, dos muitos
mundos conhecidos e desconhecidos. ‘Coisas futuras’? Que ‘Coisas futuras’?
Futuro mesmo é esse agora ansioso, é a próxima transpiração – não de sal – de
imagens, tempos, sombras, estrelas, mundos, órbitas, pontes, fotos, galáxias,
infinitos, chocolate. Futuro de lá é a idéia que não veio. Aqui, “o que
procuras, senhora?” “Estás pensando em algo?” Não! Soa lá do infindável: não! E
deita para nada; põe fronha no travesseiro dos olhos, e deita-os para si
querendo o de lá distante, o das estrelas e o de além das estrelas; querendo o
de onde não teve início. São muitas pontes nestas rotas sobre a água seca, sob
a roupa rota. Quantas horas gastei para tais pontes? O tempo de uma idéia.
Pontes não se atravessam, mesmo; se permitem. Estas aqui são uma encruzilhada.
Dois pontos saem, põem-se outros e 'inda são os mesmos. Os universos se acendem
e inicia-se um lusco-fusco de vida e morte. Somos feitos para o mirar de
alguém, e, antes de tudo, para os nossos desenredos; partindo do outro, de si,
do inexistente, somos "vivedores de desenredos".
São sob um céu de folhas, aquelas
árvores aéreas, - lembras? - fincando raízes no chão do céu e florescendo em
verde anil; seus troncos sugam nuvens e chovem frutos cá pra nós. Mas ainda
tocamos as folhas, atravessamos o véu dos divisores, do corte. "Cuidado
com as pontes...". Atravessamos tantos objetos e tantas construções que não
tem jeito: não tem fim. Daqui pra frente é quebrar paredes, pois se há pontes
há estrelas, e elas estão em todos os lugares e as pescamos com a isca de tempo:
são pescados de anos-luz, lá do fundo-longe, no "infundo". Olhamos
para as estrelas como olhamos para os primeiros retratos, as primeiras imagens
das crianças, quando ainda, nem crianças, mas um punhado de sombra-luz
aquietado. "Estás procurando alguma coisa?" Nas folhas, nas fendas,
nas fotos? "O que a senhora quer?" Eu tenho cabana de passar chuva
sob uvas, e tenho renovadas dúvidas sobre o que te fazer esperar - esperas
algo? Não tem jeito: sempre molho os pés, e fica essa sensação de que esses pés
não são meus, e fica o cheiro do chão de terra na chuva passada ou é o cheiro
da chuva que exala? Chuva só é chuva no chão! Uva pode voar e variar de cores e
sabores.
Pensando bem, há um pouco de
sonho nisso tudo, nestas costas amalgamadas, nesse olhar de céu, conjunto. Há
uma voz que não cessa de dizer que o beijo dela é dele enquanto se tem os pés sobre
o mundo, abarcando o mundo. São duas vozes. Tudo se torna dimensionável: as
estrelas, o nascimento. Gastamos, nas sombras, as sobras do tempo. Encontramos
fios de nós: no teto ou na telha, na 'vó' ou na velha que quis vê-la, num irmão
que chora junto ou lança facão. Num barco virado, sem rumo, há sonho. Na
merendeira ou num vestido de flores.
Foi assim!
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